25 de julho de 2010

PEDRO OSÓRIO

MEMÓRIAS IRRISÓRIAS COM ALGUMAS GLÓRIAS
50 ANOS DE MÚSICA
Ed. Município de Oeiras, 2010



“Se vos perguntar por uma cantora que sempre ostentou naturalmente um ar de menina, com uma voz cristalina que faz lembrar a água de uma fonte a correr, que nunca se meteu em disputas de estrelato, e que interpretou com a mesma verdade cantos de origem popular e canções com a responsabilidade de terem a assinatura de Ary dos Santos, acredito que chegam rapidamente à Tonicha. Também corri o país e o mundo com ela, gravámos discos, partilhámos momentos de medo e de glória.
Sempre que subia a um palco fazia-o com o mesmo profissionalismo, fosse um grande teatro luxuoso ou uma feira duma pequena vila. Uma vez tivemos uma actuação em Vila do Conde, numa tarde quente de verão, num palco montado no mercado em cima de uma banca de peixe que, apesar de muito lavada e disfarçada com flores, era facilmente identificável pelo cheiro. Aí tentei insistentemente, juntamente com os outros músicos, convencê-la a actuar de jeans. Inútil. Manteve que usaria o vestido que trouxera, não para se enquadrar com o palco mas para agradar e mostrar respeito pelo público. Quando chegou a hora do espectáculo e a vimos sair do pseudo-camarim com um lindíssimo Chanel, ainda lhe atirámos umas piadas ligeiras e trocámos entre nós outras menos delicadas. Uma hora depois tivemos de lhe dar razão, porque se tornou evidente que o público interpretara a sua toilette como uma nota de consideração, apesar da dissonância com o palco tosco e inapropriado.” (pág.100)

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