17 de novembro de 2022

Tonicha: uma das "Mulheres de Beja"

4 de novembro de 2022

Tonicha por Jorge Mangorrinha

The Temple Bar, ao que me disseram o mais famoso da cidade e diariamente com música ao vivo, foi o meu primeiro ponto de visita no dia da chegada a Dublin. Depois da espera na fila, sentei-me e pedi a melhor cerveja local e uma sanduíche. E logo ouvi: "A "pint of Gat"!", como ali designam a Guiness. Na entrega do pedido, o funcionário saudou-me, mas logo soltou um "sorry", termo utilizado muito frequentemente na Irlanda, mesmo se não se fizer nada de errado. Enquanto estava saboreando o lanche e a ouvir o quarteto de música, a memória levou-me a meio século atrás, talvez impelido por aquela sonoridade de inspiração céltica. Em 1971, Portugal foi representado no Gaiety Theatre pela minha familiar Tonicha e pelos meus amigos Nuno Gomes dos Santos, corista, e Nuno Nazareth Fernandes, compositor e corista naquele palco. Tonicha apresentou-se em Dublin "de olhar sereno e de fato novo". Participar nesse certame poderia ter pelo menos a virtude de mostrar que Portugal não desejava continuar a estar orgulhosamente só. A "menina de corpo inteiro" alcançaria um nono lugar, a melhor classificação portuguesa até então: "Menina resistiu à geopolítica da canção", intitulou a revista "Rádio & Televisão" no rescaldo, nas palavras de uma outra minha amiga, a jornalista Lourdes Féria, que fez uma reportagem na capital irlandesa. Lembrei-me de que, na véspera do evento, se anunciou um protesto contra o dispêndio da verba necessária para a televisão irlandesa o organizar e, ainda, por a canção da casa ser defendida em inglês e não no gaélico da cultura céltica local. Soaram, também, protestos políticos, designadamente de associações feministas partidárias do controlo da natalidade, numa época de grandes tumultos no território britânico. Por seu turno, Ary dos Santos desdobrava-se em contactos e até ofereceu o seu capote alentejano a um irlandês, que saiu do hotel envergando-o, para surpresa da restante comitiva. O representante diplomático de Portugal, o embaixador António da Rocha Fontes, ofereceu a toda a comitiva portuguesa e seus convidados uma receção. A popularidade de que a canção estava a gozar entre o povo irlandês foi salientada nos ensaios, onde "Menina" foi muito aplaudida. A cantora portuguesa era procurada pelos jornalistas de todo o mundo, por causa da expectativa quanto à canção. A comitiva portuguesa era considerada a mais simpática e teve, pela primeira vez, um "attaché de presse". Tonicha aderira também à moda dos "hot-pants". No palco, exibiu um vestido criado por Ana Maravilhas, estampado em tons variados, verde, cor-de-rosa, laranja, vermelho, com um cinto em laço, um dos mais bonitos vestidos da noite, segundo os comentários em Dublin, sobressaindo sobre o fundo creme do cenário. Porém, a vitória coube ao Mónaco, com "um banco, uma árvore e uma rua", que remeteram para as recordações de infância. As mesmas que, neste bar, me trouxeram para junto de mim, virtualmente, aqueles meus amigos, até porque já há muito passou o "orgulhosamente sós" - "Give me a pint of Gat, please!" -, sendo que, no final da tarde, me senti "a whale of a time" e "happy out", de quão bom foi ter estado naquele bairro mágico de Dublin e até aprendido novas expressões tipicamente locais. https://www.dn.pt/edicao-do-dia/04-nov-2022/irlanda-a-pint-of-gat-please-15316780.html, consultado no dia 04-11-2022